Como sobrevivi a um assalto. Dívida a ser paga.

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Como sobrevivi a um assalto. Dívida a ser paga.

Esta é uma história real, onde conto como a Polícia Militar de SP, um popular chamado Gênesis e uma servente de limpeza se empenharam para a minha sobrevivência. Acredito que esta história se pareça com muitas outras, pois viver em São Paulo não está fácil para os motociclistas e nem para aqueles que trabalham para salvaguardar vidas.

Capitão Eurico. PM de Jaú-SP. Início da Palestra na SIPAT

Capitão Eurico. PM de Jaú-SP. Início da Palestra na SIPAT

Em 16 de Outubro de 2001 sofri um assalto, onde dois suspeitos em cima de uma moto me perseguiram na Radial Leste (Av. Alcântara Machado), zona leste de São Paulo, efetuado três tiros, um deles transpassando meu braço esquerdo, outro na área do baço e o terceiro tiro atingiu meu pulmão alojando, o projétil, em minha espinha dorsal. Mas deixa-me explicar o porquê do título desse post.

Minha vida profissional era sair da zona leste de São Paulo, onde morava, para trabalhar como vendedor e monitor de treinamento em uma concessionária Honda na cidade de Jundiaí-SP. Saia muito cedo, com orgulho de pilotar minha velhinha CBR 1000F, ano 1992, branca e vermelha. Magrela linda, porém, precisando de uma pequena reforma na carenagem. Mas, na verdade, não desejava reforma-la, até mesmo porque queria que ficasse meio feia para não atrair bandidos. De Jundiaí, tinha de bater meu cartão exatos 18 horas, pois as 19h15min. precisava estar no centro de São Paulo para ministrar aulas em um CFC no Largo do Arouche. De fato, era uma vida corrida: da zona leste da capital para Jundiaí e de Jundiaí para o centro de São Paulo e, do centro de São Paulo, finalmente para  casa, repousar para que no dia seguinte começar tudo de novo! Mas era um prazer pilotar a “Gertrudes”, como chamava

Imagem ilustrativa, igualzinha a minha Gertrudes

Imagem ilustrativa, igualzinha a minha Gertrudes

minha CBR 1000F. Isso durou aproximadamente dois anos seguidos até que…

O ASSALTO, A PERSEGUIÇÃO

Na noite de 16 de Outubro de 2001, o tema da aula era não reagir a um assalto. Como sempre, às 22h15min terminei as aulas. Ao sair do estacionamento peguei meu caminho de sempre para casa. Lembro-me que estava com uma fome danada e não via a hora de chegar em minha residência para jantar e dormir. Na altura da estação Belém do Metrô, uma moto de pequena cilindrada encostou ao meu lado esquerdo com seu garupa anunciando o assalto: “… não ponha a mão na jaqueta, para aí, meu! Perdeu, perdeu, perdeu…” Assustei-me de inicio. Afinal, quem iria querer uma moto velha como a minha e, ainda, com a carenagem toda ruim? Bem, ao ver que era uma moto de pequeno porte, com dois sobre ela, “mordi minha língua” e esqueci do tema da aula, chutei os meliantes e acelerei forte até alcançar o viaduto sobre a Av. Salim Maluff. Mas, infelizmente o trânsito sobre o viaduto estava parado e, desta forma, os bandidos conseguiram me alcançar, gritando: “… vou atirar, vou atirar…” Caramba! Como vou me sair dessa, pensei. Mirei no corredor, fechei os espelhos retrovisores da minha moto e fui. Lembro-me que os escapamentos encostavam nas laterais dos carros parados, mas os malditos estavam em minha cola. Minha decisão, então, era provocar um acidente para que eles caíssem e eu fugisse a pé, por entre os carros. Assim, entre um carro e outro percebi um espaço onde pude dar um “cavalo-de-pau” para provocar a queda dos bandidos e escapar nesta oportunidade. Desta forma aconteceu, mas meu plano não deu muito certo, porque caíram em cima de mim. Enquanto o piloto que me perseguia brigava comigo, trocando socos e pontas pés, seu parceiro conseguiu me atingir com três tiros, a queima roupa. Caído no chão, tonto e sentido falta de ar, percebi que eles fugiram em meio aos presentes na confusão que causei no trânsito. Muitos gritavam. Lembro-me, enquanto no chão, descrente de tudo que estava acontecendo comigo, uma mulher desesperada chamava o socorro pelo telefone, mas ainda ninguém tocava em mim, até que um homem chamado Gênesis, chegou perto de meu corpo mole, caído ao asfalto. Indagou-me: “… fique calmo. Meu nome é Gênesis e no passado aconteceu comigo o mesmo com você…” Até então aceitei a conversa dele. Continuou: ”… percebo que está sem ar. Encoste sua cabeça em meu pé e sua falta de ar acabará…” Acreditei nele e, já sem o capacete, encostei minha cabeça sobre seu sapato, uma bota marrom e, inacreditavelmente, meu ar voltou. Podem não acreditar, mas neste momento, em minha mente (ou não, vai saber) apareceram as imagens de meu pai e meu irmão, já falecidos, tirando um sarro de mim, falando que minha hora estava chegando. Claro que respondi a eles que minha hora não havia chegado e nem chegará tão logo. Aos poucos as imagens deles iam desaparecendo de minha consciência, sempre rindo, como eles eram em vida, sempre alegres e sarristas.

Enquanto eu descansava no pé desse personagem que apareceu em minha vida, o Gênesis, o trânsito parado dificultou a chegada do resgate (bombeiros). Entretanto, uma viatura da Polícia Militar conseguiu transpor o trânsito, onde dois policiais me socorreram com muita perícia. Fizeram os procedimentos primários e me colocaram dentro da viatura em direção ao pronto socorro do Tatuapé. Até então eu estava consciente. No entanto, devo ter perdido os sentidos durante a trajetória até o Hospital.

Momentos da Palestra. Divida a ser paga, em agradecimento ao meu atendimento, que me livrou da morte

Momentos da Palestra. Divida a ser paga, em agradecimento ao meu atendimento, que me livrou da morte. Palestra realizada dia 26 de Novembro de 2015

QUEM DEVERIA ME SALVAR?

Chegando ao Pronto Socorro, um dos policiais colocou-me na maca e pediu a uma enfermeira de plantão encaminhar-me até o centro cirúrgico: “… ferido a bala, ferido a bala…” gritava o policial. Interessante que este policial não sabia se eu era o bandido ou mocinho da história. Nesse momento eu havia recobrado de uma possível inconsciência, pois ou ouvia e sentia tudo naquele ambiente.

Ao chegar, a enfermeira vendo a minha situação pediu aos policiais que me deixasse de lado, pois já estava morto. Esta imbecil nem sequer tocou em minha jugular, ou em meu pulso, para verificar se eu realmente estava sem vida! Fiquei apavorado, afinal eu ouvia e sentia tudo ao meu redor, mas não conseguia me mexer. Cheguei até a pensar que havia morrido mesmo! De longe, sumindo a voz da enfermeira discutindo, consegui ouvir o policial gritar com ela que eu não estava morto e precisava urgente ser atendido. Mais tarde acordei na sala de cirurgia, com um monte de médicos ao meu redor e perguntei o que estava acontecendo, mas não ouvi a resposta, pois apaguei de novo e só acordei na UTI. Depois de uns bons três meses no Hospital, entre  UTI e enfermaria, sem ser atendido de modo eficiente, resolvi fugir de lá. Enquanto estava caminhando até o elevador com as minhas poucas roupas dentro de uma pequena mochila, uma servente de limpeza correu até mim, deu-me um papel rasgado escrito nele o endereço de um pneumologista da rede pública, dizendo: “… vá lá, ele o curará…” Dito e feito, ele ajudou a curar a infecção e os traumas que tive por causa do projétil que perfurou meu pulmão.

Acho que, a partir desse momento, posso responder o porquê do título desse post : Dívida a ser paga.

Em minha trajetória de vida acredito que temos algo a fazer neste planeta. Somos humanos, imperfeitos, satisfeitos com a vida, ou não. Mas vivemos em prol de algo. Talvez nem saibamos que algo é esse. Porém, agradecer às pessoas que nos projetam em viver bem, é um dever. Por isso, aproveito o convite do Capitão Eurico da Polícia Militar, do 27º Batalhão do Interior, em Jaú-SP, junto ao Tenente Coronel da PM Comandante Marcelo Sanches, de participar de uma Palestra para SIPAT. Este foi meu jeito de agradecer àqueles dois policiais por me resgatar, lá em 2001. Infelizmente não perguntei o nome deles, não sei quem são, assim como não sei quem foi esse anjo chamado Gênesis, ou aquela servente que me indicou o médico da rede pública. Sei que devo minha vida a eles, os quais Deus, de uma maneira ou de outra, fez-me perceber que tenho algo a fazer neste mundo. Ficam em minha lembrança estes personagens, agradecendo a cada minuto de minha vida de conhecer pessoas como elas que, incondicionalmente, ajudam outros para ter a chance da vida.

Em nome de todos os policiais militares, de todos os Gênesis e serventes de limpeza. Em nome do pneumologista que me atendeu e daqueles que me alimentaram durante a internação. MUITO OBRIGADO!

Em nome de todos os policiais militares, de todos os Gênesis e serventes de limpeza. Em nome do pneumologista que me atendeu e daqueles que me alimentaram durante a internação em Outubro de 2001. MUITO OBRIGADO!

Fotos de Geórgia Zuliani

Texto de Carlos Amaral

FOTOS DA PALESTRA REALIZADA DIA 26 DE NOVEMBRO DE 2015, PARA O  27º BATALHÃO DA PM DO INTERIOR, JAÚ-SP

Geórgia Zuliani, fotógrafa e administradora

Geórgia Zuliani, fotógrafa e administradora

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  1. Marcio Alexandre Gaspar diz:

    Caro Amaral,

    Não conhecia essa experiência de vida pela qual passou… Graças à DEUS, através do “Gênesis”, você está hoje entre nós, dividindo seu conhecimento conosco mas principalmente, dividindo sua amizade e seu amor pelas motocicletas, no intuito de tornar esse mundo melhor para todos nós…

    Muito obrigado e continue essa pessoa maravilhosa, junto à sua esposa e companheira de todas as horas, Geórgia, que também é uma querida.

    Abraços garoto!!!

    • Amigo Marcio Alexandre. Muito obrigado! Suas palavras me comovem e saiba: somos amigos e compartilhamos o que é bom para a continuidade desta amizade e amor a vida. Um forte abraço.